terça-feira, 1 de junho de 2010

Sol da Meia Noite - Capitulo 7 - Melodia

7- Melodia


Eu tive que esperar quando voltei para o colégio, pois ainda faltava uma hora para acabar a aula. Isso era bom, porque eu tinha que pensar em algumas coisas e precisava de um tempo sozinho.
O cheiro dela permaneceu no carro. Eu deixei os vidros fechados, permitindo que ele me agredisse, tentando me acostumar com a sensação de intencionalmente incendiar minha garganta.
Atração.
Isso era uma coisa problemática de se contemplar. Tantos aspectos, tantos níveis e significados diferentes. Não era a mesma coisa que amor, mas estavam completamente entrelaçados.
Eu não tinha a menor idéia se Bella se sentia atraída por mim. (Será que o silêncio mental dela continuaria a ficar mais e mais frustrante até que eu ficasse louco? Ou havia um limite que eu em algum momento alcançaria?)
Eu tentei comparar as respostas físicas dela com as dos outros, como a secretária e Jessica Stanley, mas as comparações foram inconclusivas. Os mesmos marcadores – mudanças na velocidade dos batimentos e da respiração – podiam facilmente significar tanto medo ou choque ou nervosismo quanto interesse. Parecia improvável que Bella pudesse desenvolver os mesmos tipos de pensamentos que Jessica Stanley costumava ter. Afinal, Bella sabia muito bem que havia alguma coisa de errado comigo, mesmo que não soubesse exatamente o que era. Ela havia tocado minha pele gelada, e então puxado sua mão para longe do frio.
Ainda assim... quando eu me lembrava daquelas fantasias que costumavam ser repulsivas para mim, mas me lembrava delas com Bella no lugar de Jessica...
Eu estava respirando mais rápido, o fogo arranhando toda a minha garganta.
E se tivesse sido Bella me imaginando com meus braços entrelaçados em volta do seu corpo frágil? Sentindo-me apertá-la mais forte contra meu peito e então moldando minha mão sob seu queixo? Escovando a pesada cortina de seus cabelos detrás de seu rosto corado? Traçando o formato de seus lábios cheios com as pontas dos meus dedos? Inclinando meu rosto para o dela, para que eu pudesse sentir o calor de seu hálito na minha boca? Chegando ainda mais perto...
Mas então eu fugi da fantasia, sabendo, como eu havia sabido quando Jessica havia imaginado essas coisas, o que aconteceria se eu chegasse ainda mais perto.
A atração era um dilema impossível, porque eu já estava muito atraído por Bella, do pior jeito.
E eu queria que Bella estivesse atraída por mim, uma mulher a um homem?
Esta era a pergunta errada. A pergunta certa era se eu deveria querer que Bella estivesse atraída por mim desta forma, e a resposta era não. Porque eu não era um homem humano, e isso não seria justo com ela.
Com cada fibra do meu ser, eu ardia com o desejo de ser um homem normal, para que eu pudesse tomá-la em meus braços sem arriscar sua vida. Para que eu pudesse ser livre para ter minhas próprias fantasias, fantasias que não terminavam com seu sangue em minhas mãos, seu sangue brilhando nos meus olhos.
Minha insistência por ela era imperdoável. Que tipo de relacionamento eu lhe poderia oferecer, quando eu sequer podia correr o risco de tocá-la?
Eu apoiei minha cabeça nas mãos.
Era tudo ainda mais confuso porque eu nunca havia me sentido tão humano em toda a minha vida – nem mesmo quando eu era humano, até onde eu podia me lembrar. Quando eu era humano, meus pensamentos estavam todos voltados à glória de ser soldado. A Primeira Guerra se arrastou pela maior parte de minha adolescência, e faltavam apenas nove meses para meu aniversário de dezoito anos quando a Influenza eclodiu... eu possuía apenas vagas impressões sobre estes anos de humanidade, memórias obscuras que se esvaíam ainda mais com cada década que passava. Eu me lembrava de minha mãe mais claramente, e sentia uma dor muito antiga quando pensava em seu rosto. Possuía uma lembrança nebulosa de como ela odiava o futuro do qual eu ansiosa e rapidamente me aproximava, rezando todas as noites, quando ela dava graças antes do jantar, que a “guerra horrorosa” acabasse... eu não tinha memórias de outro tipo de ânsia. Além do amor da minha mãe, não existia outro amor que me fizesse querer ficar...
Isto era completamente novo para mim. Eu não podia traçar paralelos, fazer comparações.
O amor que eu sentia por Bella havia surgido puro, mas agora as águas estavam turvas. Eu queria muito ser capaz de tocá-la. Será que ela sentia o mesmo?
Isso não importa, eu tentava me convencer.
Eu encarei minhas mãos brancas, odiando sua dureza, sua frieza, sua força inumana...
Dei um salto quando a porta do passageiro se abriu.
Há. Te peguei de surpresa. Primeira vez, Emmett pensou enquanto escorregava para o assento. “Eu aposto que a Sra. Goffman acha que você está usando drogas, você está tão distante esses dias. Onde você estava hoje?”
“Eu estava... praticando boas ações”.
Huh?
Eu soltei um risinho. “Cuidando dos doentes, este tipo de coisa”.
Isto o confundiu ainda mais, mas então ele inalou e sentiu o aroma no ar.
“Oh. A garota de novo?”
Eu fechei a cara.
Issoes tá ficando estranho.
“Nem me diga”, eu resmunguei.
Ele inalou novamente. “Hmm, ela tem um sabor e tanto, não?”
O rosnado escapou por meus lábios antes que suas palavras sequer tivessem registrado na minha cabeça, uma resposta automática.
“Calma, garoto, tô só comentando”.
Então os outros chegaram. Rosalie percebeu o cheiro logo de cara e me fuzilou, ainda irritada. Eu tentei imaginar qual seria o problema, mas tudo o que eu consegui ouvir dela foram insultos.
Eu também não gostei da reação de Jasper. Como Emmett, ele havia reparado no sabor apelativo de Bella. Não que o aroma tivesse, para eles, um milésimo da atração que tinha para mim. Mas eu ainda estava chateado que o cheiro fosse doce para eles. Jasper não tinha muito controle...
Alice deu a volta até o meu lado do carro e estendeu sua mão para pegar as chaves da picape da Bella.
“Eu vi que ia fazê-lo”, ela disse – obscuramente, como era seu hábito. “Você vai ter que me dizer os porquês”.
“Isto não significa –”
“Eu sei, eu sei. Eu vou esperar. Não vai demorar”.
Eu suspirei e lhe entreguei as chaves.
Eu a segui até a casa de Bella. A chuva despencava como um milhão de pequenos martelos, tão forte que talvez os ouvidos humanos de Bella não pudessem ouvir o barulho de trovão que o motor fazia. Eu vigiei sua janela, mas ela não saiu para olhar. Talvez ela não estivesse em casa. Não havia pensamentos para ouvir.
Me deixava triste que não conseguir ouvir o suficiente para tomar conta dela – para ter certeza que ela estava feliz, ou à salvo, pelo menos.
Alice entrou no banco de trás e nós corremos para casa. As estradas estavam vazias, e assim levou apenas alguns minutos. Entramos em casa juntos, e então seguimos para nossos vários passatempos.
Emmett e Jasper estavam no meio de um elaborado jogo de xadrez, utilizando oito tabuleiros ao mesmo tempo – espalhados ao lado da parede de vidro dos fundos – e seus próprios conjuntos de regras complicados. Eles não me deixariam jogar; apenas Alice ainda jogava qualquer coisa comigo.
Alice foi até seu computador, logo após o canto de onde eles estavam, e eu podia ouvir o barulho de seu monitor ligando. Alice estava trabalhando num projeto de fashion design para o guarda-roupa de Rosalie, mas Rosalie não quis se juntar a ela hoje, para ficar atrás discutindo cortes e cores enquanto as mãos de Alice passeavam pela tela sensitiva (Carlisle e eu tivemos que reajustar um pouco o sistema, já que a maioria dessas telas responde à temperatura). Ao invés disso, hoje ela se espalhou aborrecida no sofá e começou a passear por vinte canais por segundo na tv de tela plana, nunca parando. Eu podia ouvi-la tentando decidir se ia ou não até a garagem regular sua BMW mais uma vez.
Esme estava no andar de cima, cantarolando e trabalhando num punhado de projetos.
Alice inclinou sua cabeça ao redor do canto depois de um tempo e começou a mexer os lábios, dedurando os próximos movimentos de Emmet – Emmet estava sentado no chão, de costas para ela – para Jasper, que manteve sua expressão muito suave enquanto comia o cavalo favorito de Emmett.
E eu, pela primeira vez em tanto tempo que me senti até envergonhado, fui sentar num sublime piano de cauda estacionado perto da entrada.
Eu corri a mão gentilmente pelas teclas, testando a sonoridade. A afinação ainda estava perfeita.
No andar de cima, Esme parou o que estava fazendo e empinou a cabeça para o lado.
Eu comecei o primeiro verso da melodia que havia se sugerido para mim hoje no carro, satisfeito que ela soasse ainda melhor do que eu havia imaginado.
Edward está tocando de novo, Esme pensou, cheia de alegria, um sorriso irrompendo em sua face. Ela se levantou de sua mesa, e silenciosamente, num movimento rápido, foi para o topo das escadas.
Eu acrescentei uma harmonia, deixando a melodia central ondular através dela.
Esme suspirou de contentamento, sentou-se no primeiro degrau e encostou a cabeça no corrimão. Uma nova canção. Fazia tanto tempo. Que melodia amável.
Eu deixei a melodia seguir uma nova direção, seguindo-a com o acompanhamento mais grave.
Edward está compondo de novo? , pensou Rosalie, e seus dentes se apertaram num ressentimento violento.
Naquele momento, ela cometeu um deslize, e eu pude ouvir todo o seu ressentimento implícito. Eu vi por que ela estava tão mal-humorada comigo. Por que matar Isabella Swan não teria incomodado sua consciência nem um pouco.
Com Rosalie, era sempre por vaidade.
A música parou abruptamente, e eu ri antes que pudesse evitar, um abrupto ganido de divertimento que escapou rapidamente enquanto eu atirava a mão sobre minha boca.
Rosalie virou para me encarar, seus olhos faiscando com fúria e embaraço.
Emmett e Jasper se viraram para encarar, também, e eu ouvi a confusão de Esme. Ela desceu as escadas num piscar de olhos, parando entre Rosalie e eu para olhar.
“Não pare, Edward”, Esme encorajou, depois daquele momento tenso.
Eu recomecei a tocar, virando minhas costas para Rosalie enquanto tentava arduamente controlar o sorriso se esboçando no meu rosto. Ela levantou e andou irritada para fora da sala, mais irritada do que embaraçada. Mas certamente um tanto embaraçada.
Se você disser qualquer coisa vou te caçar como um cão.
Eu segurei outra risada.
“O que foi, Rosalie?”, Emmet chamou enquanto ela saía. Rosalie não se virou. Ela continuou, com a postura ereta e rígida, até a garagem e então se espremeu sob seu carro como se pudesse enterrar-se ali.
“O que foi isso?”, Emmett me perguntou.
“Não tenho a menor idéia”, menti.
Emmett resmungou, frustrado.
“Continue tocando”, Esme incentivou. Minhas mãos haviam parado novamente.
Eu fiz como ela pediu, e ela veio parar atrás de mim, colocando suas mãos nos meus ombros.
A música estava interessante, mas incompleta. Eu brinquei com uma ponte, mas de alguma forma ela não parecia ter ficado boa.
“É encantadora. Tem um nome?”, perguntou Esme.
“Ainda não”.
“Há alguma história por trás dela?”, ela perguntou, um sorriso em sua voz. Isso a dava um prazer enorme, e eu me senti culpado por ter negligenciado minha música por tanto tempo. Eu havia sido egoísta.
“É... uma canção de ninar, eu acho”. E acertei a ponte então. Ela levou facilmente ao próximo movimento, ganhando vida própria.
“Uma canção de ninar”, ela repetiu para si mesma.
Havia uma história para esta melodia, e assim que eu percebi isso, as peças se encaixaram sem esforço. A história era sobre uma garota adormecida numa cama estreita, cabelo escuro e grosso e selvagem e esparramado como uma alga marinha pelo travesseiro...
Alice deixou que Jasper passasse a decidir seu jogo sozinho, e veio sentar perto de mim no banco. Com sua voz de vento, vibrante e harmoniosa, ela ensaiou um acompanhamento sem palavras, duas oitavas acima da melodia.
“Gostei”, eu murmurei, “mas que tal assim?”
Eu acrescentei o verso dela à harmonia – minhas mãos estavam voando sobre as teclas agora para tocar juntas todas as partes – modificando-a um pouco, levando-a a uma nova direção...
“Sim. Perfeito”, eu disse.
Esme apertou meu ombro.
Mas eu podia ver o final agora, com a voz de Alice acima da melodia a levando a um lugar diferente. Eu conseguia ver como a música deveria terminar, porque a garota estava perfeita exatamente como estava, e qualquer mudança seria um erro, uma tristeza. A música foi carregada por essa conclusão, ficando mais lenta e grave. A voz de Alice também ficou mais grave, e se tornou solene, um tom que seria ouvido sob os arcos ecoantes de uma catedral iluminada por velas.
Eu toquei a última nota, e então curvei minha cabeça sobre as teclas.
Esme acariciou meu cabelo. Vai ficar tudo bem, Edward. Isso vai se resolver da melhor maneira possível. Você merece ser feliz, meu filho. O destino lhe deve isso.
“Obrigado”, eu suspirei, desejando poder acreditar nisso.
O amor nem sempre vem em embalagens convenientes.
Eu ri sem humor.
Você, mais do que qualquer um nesse planeta, é talvez o melhor equipado para lidar com uma situação tão difícil e complexa. Você é o melhor e o mais brilhante de todos nós.
Eu suspirei. Toda mãe pensava o mesmo de seu filho.
Esme ainda estava cheia de alegria porque meu coração havia finalmente sido tocado, depois de tanto tempo, não importando qual fosse o potencial para tragédia. Ela havia pensado que eu ficaria para sempre só...
Ela vai ter que te amar de volta, ela pensou subitamente, me pegando de surpresa com a direção dos seus pensamentos. Se ela for esperta. Ela sorriu. Mas eu não consigo imaginar alguém sendo tão lento a ponto de não perceber o quão valioso você é.
“Pára, mãe, está me fazendo corar”, eu provoquei. Suas palavras, mesmo sendo improváveis, conseguiram me alegrar.
Alice riu e começou a tocar a mão superior de “Heart and Soul”. Eu sorri e completei a harmonia simples com ela. Então eu a agradei com uma performance de “Chopsticks”.
Ela deu um risinho, e então suspirou. “Eu queria que você me contasse por que estava rindo de Rose”, Alice disse. “Mas posso ver que você não vai”.
“Não”.
Ela me deu um peteleco na orelha.
“Comporte-se, Alice”, reprimiu Esme. “Edward só está sendo um cavalheiro”.
“Mas eu quero saber”.
Eu ri do seu tom de voz mimado. Então eu disse, “Aqui, Esme”, e comecei a tocar sua canção favorita, um tributo sem nome ao amor que eu havia presenciado entre ela e Carlisle por tantos anos.
“Obrigada, querido”. Ela apertou meu ombro mais uma vez.
Eu não tinha que me concentrar para tocar a familiar canção. Ao invés disso eu pensei em Rosalie, ainda figurativamente se contorcendo de vergonha na garagem, e sorri para mim mesmo.
Tendo acabado de descobrir por mim mesmo a potência do ciúme, eu tinha um pouco de pena dela. Era uma maneira miserável de se sentir. É claro, o ciúme dela era mil vezes mais trivial que o meu. Como uma agulha no palheiro.
Eu imaginei como a vida e a personalidade de Rosalie teriam sido diferentes se ela não tivesse sido sempre a mais bonita. Será que ela seria uma pessoa melhor se a beleza não tivesse sido sempre sua característica mais marcante? Menos egocêntrica? Ela teria mais compaixão? Bom, eu supus que era inútil imaginar, porque o que passou, e ela sempre havia sido a mais bonita. Mesmo quando humana, ela sempre esteve nos holofotes por sua beleza. Não que ela achasse ruim. O oposto – ela amava a admiração acima de quase tudo. Isso não havia mudado com a perda de sua imortalidade.
Não era surpresa nenhuma então, considerando esta necessidade como um fato, que ela se sentiu ofendida quando eu, desde o começo, não idolatrei sua beleza da maneira que ela esperava que todos os homens deveriam fazer. Não que ela quisesse a mim de alguma forma – longe disso. Mas a irritava que eu não a quisesse, apesar disso. Ela estava acostumada a ser desejada.
Era diferente com Jasper e Carlisle – eles já estavam ambos apaixonados. Eu era completamente descomprometido, e ainda assim permaneci totalmente inalterado.
E eu pensava que este antigo sentimento estivesse enterrado. Que ela já o havia superado há muito tempo.
E ela havia... até o dia em que eu finalmente encontrei alguém cuja beleza me tocou do jeito que a dela não tinha feito.
Rosalie confiava na crença de que, se eu não achava a sua beleza digna de adoração, então certamente não haveria beleza no mundo capaz de me tocar. Ela havia estado furiosa desde o momento em que eu salvei a vida de Bella, adivinhando, com sua aguçada intuição feminina, o interesse do qual eu ainda estava completamente inconsciente.
Rosalie foi mortalmente ofendida por eu ter achado alguma insignificante garota humana mais atraente que ela.
Eu segurei a vontade de rir de novo.
Mas me incomodava um pouco a maneira como ela via Bella. Rosalie realmente achava que a garota era sem graça. Como ela podia pensar assim? Para mim, parecia incompreensível. Um produto do ciúme, sem dúvida.
“Oh!”, Alice disse abruptamente. “Jasper, adivinhe só!”
Eu vi o que ela tinha acabado de visualizar, e minhas mãos congelaram nas teclas.
“O quê, Alice?”
“Peter e Charlote estão vindo nos visitar na próxima semana! Eles estarão na vizinhança, não é legal?”
“O que foi, Edward?”, perguntou Esme, sentindo a tensão nos meus ombros.
“Peter e Charlote estão vindo a Forks? ”, eu sibilei para Alice.
Ela revirou os olhos. “Calma, Edward. Não é a primeira vez que eles vêm”.
Meus dentes se apertaram. Era a primeira vez que eles vinham desde que Bella havia chegado, e o sangue doce dela não apetecia apenas a mim.
Alice franziu a testa com a minha expressão. “Eles nunca caçam aqui. Você sabe disso.”
Mas o irmão de criação de Jasper e a pequena vampira que ele amava não eram como nós; eles ainda caçavam da maneira usual. Não se podia confiar neles com Bella por perto.
“Quando?”, eu demandei.
Ela franziu os lábios infeliz, mas me disse o que eu precisava saber. Segunda-feira pela manhã. Ninguém vai machucar Bella.
“Não”, eu concordei, e então dei as costas para ela. “Está pronto, Emmett?”
“Pensei que só partíamos amanhã cedo?”
“Nós voltaremos na meia noite de Domingo. Eu acho que você pode decidir quando partimos”.
“Tá, tudo bem. Deixa eu me despedir da Rose antes”.
“Claro”. Com o humor que Rosalie estava, seria uma despedida rápida.
Você realmente perdeu o juízo, Edwar, ele pensou enquanto se dirigia à porta dos fundos.
“Eu suponho que sim”.
“Toque a nova canção para mim mais uma vez”, Esme pediu.
“Se você deseja”, eu concordei, apesar de estar um pouco hesitante em seguir a melodia até seu final inevitável – o final que me trazia dor de maneiras não-familiares. Eu pensei por um momento, e então tirei a tampinha de garrafa do meu bolso e a deixei no suporte de partituras vazio. Aquilo me ajudou um pouco – meu pequeno souvenir de seu sim.
Eu consenti com a cabeça, para mim mesmo, e comecei a tocar.
Esme e Alice trocaram um olhar, mas nenhuma delas fez perguntas
Ninguém nunca te ensinou a não brincar com a comida?”, eu chamei por Emmett.
“Oh, hei Edward!”, ele gritou de volta, sorrindo e acenando. O urso aproveitou sua distração para atacar com sua pesada para o peito de Emmett. As garras afiadas rasgaram sua camisa, e fizeram um barulho ardido quando rasparam em sua pele.
O urso urrou por causa do barulho.
Aw diabos, Rose me deu essa camisa!
Emmett urrou de volta para o animal enfurecido.
Eu suspirei e me sentei numa rocha. Isso poderia levar um tempo.
Mas Emmett estava quase acabando. Ele deixou o urso tentar arrancar sua cabeça com outra patada, rindo quando o golpe rebateu e mandou o urso cambaleando para trás.
O urso urrou e Emmett urru de novo no meio de sua risada. Então ele se lançou contra o animal, que estava de pé nas patas traseiras, uma cabeça mais alto que ele, e seus corpos caíram no chão entrelaçados, levando um pinheiro adulto com eles. Os rugidos do urso foram quebrados por um engasgo.
Alguns minutos depois, Emmett correu para onde eu o esperava. Sua camisa estava destruída, despedaçada e ensangüentada, grudenta com seiva e coberta de pêlos. Seu cabelo escuro e encaracolado não estava com uma aparência muito melhor. Ele tinha um sorriso enorme no rosto.
“Esse era forte. Eu quase pude sentir quando ele me arranhou”.
“Você é uma criança, Emmett”.
Ele olhou minha camisa lisa e limpa. “Então quer dizer que você não conseguiu alcançar o leão da montanha?”
“Claro que consegui. Eu só não como como um selvagem”.
Emmett riu a sua risada retumbante. “Queria que eles fossem mais fortes. Seria mais divertido”.
“Ninguém disse que você tinha que lutar por sua comida”.
“Tá, mas com quem mais eu vou lutar? Você e Alice trapaceiam, Rose nunca quer bagunçar o cabelo, e Esme fica louca se Jasper e eu realmente lutamos pra valer”.
“A vida é complicada, não?”
Emmett sorriu para mim, de repente arrumando sua posição para uma de ataque.
“Vamos lá, Edward. Desliga isso um minuto e luta justo”.
“Não desliga”, eu o lembrei.
“O que será que aquela garota humana faz pra te manter fora?”, disse Emmett, absorto em pensamentos. “Talvez ela pudesse me dar umas dicas”.
Meu bom humor sumiu. “Fique longe dela”, eu rosnei entre meus dentes.
“Nervosinho, nervosinho”.
Eu suspirei. Emmett veio se sentar ao meu lado na pedra.
“Desculpe. Eu sei que você está passando por uma barra. Eu realmente estou tentando não ser um idiota sem coração, mas, desde que essa é meio que minha condição natural...”
Ele esperou que eu risse de sua piada, e então fez uma careta.
Tão sério o tempo todo. O que está te perturbando agora?
“Estou pensando nela. Bom, me preocupando na verdade”.
“Mas há motivos para se preocupar? Você está aqui”. Ele riu alto.
Eu ignorei sua piada mais uma vez, mas respondi sua pergunta. “Você já parou para pensar em como eles são frágeis? Quantas coisas ruins podem acontecer a um mortal?”
“Não muito. Mas eu acho que sei o que você quer dizer. Eu não era muito páreo pro urso na primeira vez, era?”
“Ursos”, eu murmurei, adicionando mais um item na pilha. “Isso seria sorte dela, não? Um urso perdido na cidade. Claro que ele iria direto na direção da Bella”.
Emmett soltou um risinho. “Você está parecendo um louco falando, sabia?”
“Apenas imagine por um minuto Rosalie sendo humana, Emmett. Ela poderia esbarrar num urso... ou ser atingida por um carro... ou um raio... ou cair das escadas... ou ficar doente – pegar uma doença grave!”, as palavras saíam da minha boca numa torrente. Era um alívio deixá-las sair - elas haviam estado formando úlceras dentro de mim por todo o final de semana. “Incêndios e terremotos e tornados! Ugh! Quando foi a última vez que você viu as notícias? Você já viu os tipos de coisas que acontecem com eles? Assaltos e homicídios...”. Meus dentes se apertaram, e eu estava tão enfurecido com a idéia de outro humano a machucando que eu não conseguia respirar.
“Uou, uou, calma lá, garoto! Ela mora em Forks, lembra? Então o que pode acontecer é ela tomar chuva”. Ele deu de ombros.
“Eu acho que ela tem sérios problemas de azar, Emmett, eu acho mesmo. Olhe as evidências. De todos os lugares para onde ela podia ir, ela acaba numa cidade onde vampiros são uma parcela significativa da população”.
“Tá, mas nós somos vegetarianos. Então isso não seria sorte, ao invés de azar?”
“Do jeito que ela cheira bem? Definitivamente azar. E aí, ainda mais azar, do jeito que ela cheira bem para mim”. Eu encarei minhas mãos, as odiando novamente.
“A não ser pelo fato de que você tem mais autocontrole que praticamente todo mundo menos Carlisle. Sorte de novo”.
“A van?”
“Isso foi só um acidente”.
“Você devia ter visto a van indo pra cima dela, Em, de novo e de novo. Eu juro, parecia que ela era algum tipo de ímã”.
“Mas você tava lá. Isso foi sorte”.
“Foi? Isso não e o pior tipo de azar que uma humana pode ter – que um vampiro se apaixone por ela?”
Emmett pensou sobre isso por um minuto. Ele ficou visualizando a garota em sua cabeça, e achou a imagem interessante. Honestamente, não consigo ver o que tanto te atrai.
“Bom, eu também não consigo ver muita graça em Rosalie”, eu disse rudemente. “Sinceramente, ela parece mais trabalhada do que um rosto bonito mereceria”.
Emmett soltou um risinho. “Eu não acho que você me contaria...”
“Eu não sei qual o problema dela, Emmett”, eu menti com um abrupto e largo sorriso.
Eu vi sua intenção a tempo de me defender. Ele tentou me empurrar pra fora da rocha, e houve um barulho alto quando uma fissura se abriu entre nós dois na pedra.
“Trapaceiro”, ele murmurou.
Eu queria dizer a ele que tentasse outra vez mais tarde, mas seus pensamentos tomaram um rumo diferente. Ele estava imaginando Bella de novo, mas imaginando-a mais branca, imaginando seus olhos vermelhos brilhando...
“Não”, eu disse, minha voz estrangulada.
“Suas preocupações com mortalidade acabariam, não? E aí você não iria mais querer matá-la. Não é o melhor jeito?”
“Para mim? Ou para ela?”.
“Eu não liguei muito”, ele me lembrou.
“Rosalie ligou”.
Ele suspirou. Nós dois sabíamos que Rosalie faria qualquer coisa, abriria mão de qualquer coisa, se isso fosse torná-la humana de novo. Até mesmo de Emmett.
“É, Rose ligou”, ele concordou silenciosamente.
“Eu não posso... eu não deveria... eu não vou arruinar a vida de Bella, Emmett. Você não faria o mesmo, se fosse Rosalie?”
Emmett pensou nisso por um momento. Você realmente... a ama?
“Eu não tenho nem palavras, Emmett. Ela é o mundo inteiro para mim. Eu não vejo mais sentido num mundo sem ela”.
E mesmo assim você não vai transformá-la? Ela não vai durar pra sempre, Edward.
“Eu sei disso”, eu resmunguei.
E, como você mesmo reparou, ela é meio que quebrável.
“Acredite – eu sei disso também”.
Emmett não era uma pessoa com muito tato, e discussões delicadas não eram seu forte. Ele hesitava agora, querendo muito não soar ofensivo.
E você alguma vez poderá tocá-la? Quer dizer, se você a ama... você não iria querer, bem, tocá-la?
Emmett e Rosalie dividiam um intenso amor físico. Ele tinha dificuldade de entender como alguém podia amar sem essa parte.
Eu suspirei. “Eu não posso nem pensar nisso, Emmett”.
Uau. Então quais são suas opções?
“Não sei”, eu suspirei. “Estou tentando descobrir uma maneira de... deixá-la. Eu só não consigo compreender como me fazer ficar longe dela...”
Com um sentimento profundo de gratidão, eu subitamente percebi que era correto que eu ficasse perto dela – pelo menos por enquanto, com Peter e Charlote chegando. Ela estaria mais segura comigo aqui, temporariamente, do que estaria comigo longe. Por um momento, eu poderia ser seu improvável protetor.
O pensamento me deixou ansioso; eu queria voltar logo para poder cumprir esse papel pelo máximo de tempo.
Emmett percebeu a mudança na minha expressão. No que você está pensando?
“Agora”, eu admiti um pouco estupidamente, “estou morrendo para voltar para Forks e dar uma olhada nela. Eu não sei se agüento até domingo à noite”.
“Uh-uh! Você não vai embora mais cedo. Espera a Rosalie se acalmar um pouco. Por favor! Para o meu bem”.
“Vou tentar”, eu disse duvidosamente.
Emmett deu um tapinha no telefone no meu bolso. “Alice ligaria se existisse qualquer motivo pro seu ataque de pânico. Ela é tão estranha com relação a essa garota quanto você”.
Eu fechei a cara. “Está bem. Mas não passo de domingo”.
“Não há motivos para ter pressa para voltar – vai estar ensolarado, de qualquer forma. Alice disse que estamos livres do colégio até a quarta”.
Eu balancei minha cabeça rigidamente.
“Peter e Charlotte sabem se comportar”.
“Eu realmente não me importo, Emmett. Com a sorte da Bella, ela vai passear na floresta exatamente no momento errado, e –” eu hesitei. “Peter não é conhecido por seu auto-controle. Eu estou voltando domingo”.
Emmett assentiu. Exatamente como um louco.


Bella estava dormindo tranqüilamente quando eu escalei por sua janela na segunda bem cedo. Eu havia me lembrado do óleo dessa vez, e a janela agora se movia silenciosamente para fora do meu caminho.
Eu podia dizer pela maneira que seu cabelo estava arrumado suavemente pelo travesseiro que ela havia tido uma noite de sono bem melhor que a da última vez em que eu estive aqui. Ela tinha as mãos dobradas sob a bochecha como uma criancinha, e sua boca estava levemente aberta. Eu podia ouvir sua respiração entrando e saindo lentamente por seus lábios.
Era um alívio enorme estar aqui, poder vê-la de novo. Eu percebi que não estaria totalmente à vontade se não fosse desse jeito. Nada estava certo quando eu estava longe dela.
Não que tudo estivesse certo quando eu estava perto dela, tampouco. Eu suspirei, deixando a sede queimar por toda a minha garganta. Eu havia estado longe por muito tempo. O tempo passado sem dor e desejo fez com que eles ficassem mais fortes agora. Era ruim o suficiente para me deixar com medo de me ajoelhar ao lado de sua cama para poder ler os títulos de seus livros. Eu queria conhecer as histórias em sua cabeça, mas estava com medo de mais coisas que a minha sede, com medo de que se eu me permitisse chegar tão perto dela, eu fosse querer chegar ainda mais perto...
Seus lábios pareciam macios e quentes. Eu conseguia me imaginar tocando-os com a ponta do meu dedo. Bem de leve...
Este era exatamente o tipo de erro que eu tinha que evitar.
Meus olhos correram por seu rosto de novo e de novo, procurando mudanças. Humanos mudavam o tempo todo – eu nunca havia ficado triste com a possibilidade de perder alguma coisa...
Eu achei que ela parecia... cansada. Como se não tivesse dormido o suficiente no final de semana. Será que ela havia saído?
Eu ri silenciosamente do quanto isso me aborrecia. E se ela tivesse? Eu não era seu dono. Ela não era minha.
Não, ela não era minha – e eu estava triste de novo.
Uma de suas mãos fez um movimento, e eu percebi que havia pequenos cortes, já quase sarando, na palma de sua mão. Ela havia sido ferida? Apesar de que nitidamente não era nada sério, ainda assim me perturbou. Eu considerei a localização, e decidi que ela devia ter tropeçado. Parecia uma boa explicação, levando tudo em conta.
Era confortante pensar que eu não teria que quebrar a cabeça sobre estes pequenos mistérios para sempre. Nós éramos amigos agora – ou pelo menos, tentávamos ser. Eu poderia perguntar para ela sobre o fim de semana – sobre a praia, e qualquer atividade noturna que a tivesse feito parecer tão cansada. Eu poderia perguntar o que havia acontecido com suas mãos. E eu poderia rir quando ela confirmasse minha teoria.
Eu sorri gentilmente enquanto imaginava se ela tinha ou não caído no oceano. Eu imaginei se ela havia se divertido no passeio. Eu imaginei se ela havia pensado um pouco que fosse em mim. Se ela havia sentido minha falta mesmo que com um milésimo da intensidade que eu havia sentido a dela.
Eu tentei visualizá-la no sol da praia. Mas a imagem era incompleta, porque eu nunca havia estado pessoalmente em First Beach. Eu só conhecia por fotos...
Eu senti uma pontada de desconforto quando pensei nas razões pelas quais nunca havia estado na bela praia localizada a apenas alguns minutos da minha casa. Bella havia passado o dia em La Push – um lugar que me era banido, por pacto. Um lugar em que alguns homens idosos ainda se lembravam das histórias sobre os Cullen, se lembravam e acreditavam nelas. Um lugar onde nosso segredo era conhecido...
Eu balancei minha cabeça. Não havia com que me preocupar. Os Quileutes tinham o compromisso do pacto, também. Mesmo se Bella tivesse esbarrado com um destes sábios anciões, ele não poderia lhe contar nada. E por que se tocaria no assunto? Por que Bella resolveria dar voz à sua curiosidade ali? Não – os Quileutes talvez fossem a única coisa com o que não tinha que me preocupar.
Eu fiquei bravo com o sol quando ele começou a nascer. Lembrou-me que eu não poderia satisfazer minhas curiosidades por vários dias. Por que ele tinha que brilhar justo agora?
Com um suspiro, eu escapuli de seu quarto antes que houvesse luz suficiente para que alguém me visse ali. Eu pretendia permanecer na densa floresta perto de sua casa e vê-la sair para o colégio, mas quando eu cheguei nas árvores, eu fiquei surpreso de encontrar o rastro dela na trilha.
Eu o segui rapidamente, curioso, ficando mais e mais preocupado conforme o rastro se aprofundava na escuridão. O que a Bella havia vindo fazer aqui?
O rastro parou abruptamente, no meio do nada. Ela havia se desviado apenas alguns passos da trilha, dentro do bosque, onde ela havia tocado o tronco de uma árvore caída. Talvez sentado ali...
Eu sentei no mesmo lugar, e olhei ao redor. Tudo o que ela teria sido capaz de ver eram folhagens e verde. Provavelmente havia estado chovendo – o aroma havia sido lavado, nunca tendo realmente se assentado na árvore.
Por que a Bella teria que vir sentar aqui sozinha – e ela havia estado sozinha, sem dúvida – no meio na floresta molhada e lamacenta?
Não fazia sentido, e, ao contrário das outras coisas que me intrigavam, eu não poderia mencionar isso numa conversa casual.
Então, Bella, eu estava seguindo seu rastro pela floresta depois que eu saí do seu quarto, onde eu estava te assistindo dormir... claro, isso seria ótimo para quebrar o gelo.
Eu nunca saberia o que ela estava pensando e fazendo aqui, e isso fez meus dentes rangerem de frustração. Pior, este cenário era do tipo dos que eu havia descrito a Emmett – Bella vagando na floresta, onde seu cheiro chamaria a atenção de todos que tivessem a capacidade de rastreá-lo...
Eu rosnei. Não apenas ela tinha má sorte, como a cortejava.
Bem, por estes dias ela teria um protetor. Eu a vigiaria, a manteria do perigo, por tanto tempo quanto durassem minhas justificativas.
Eu de repente me encontrei desejando que Peter e Charlote prolongassem sua visita.

Continua...

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