quinta-feira, 3 de junho de 2010

Sol Da Meia Noite - Capitulo 9 - Port Angeles

9- PORT ANGELES


Estava claro demais para entrar na cidade quando eu cheguei a Port Angeles; o sol ainda estava muito alto, e, apesar de que minhas janelas fossem escurecidas, não havia motivos para correr riscos desnecessários. Mais riscos desnecessários, eu diria.
Eu estava certo de que seria capaz de encontrar os pensamentos de Jéssica de longe – os pensamentos de Jéssica eram mais altos que os de Ângela; mas, uma vez que eu encontrasse a primeira, eu poderia ouvir a segunda. Então, quando as sombras aumentassem, eu poderia me aproximar. Por enquanto, eu arrancava por uma estrada coberta por plantas logo na saída da cidade, que não parecia ser muito freqüentada.
Eu sabia a direção geral em que procurar – havia apenas um lugar para se fazer compras em Port Angeles. Não demorou muito até que eu encontrasse Jéssica, rodopiando em frente a um espelho de três faces, e pude ver Bella em sua visão periférica, avaliando o vestido preto longo que ela vestia.
Bella ainda parece chateada. Ha ha. Angela estava certa – Tyler estava se gabando. Mas eu não acredito que ela ficaria tão chateada com isso. Pelo menos ela sabe que tem um par reserva para o baile dos alunos. E se Mike não se divertir no baile de sábado, e ele não me chamar pra sair de novo? Será que ela teria convidado ele pro baile se eu não tivesse dito nada? Será que acha que ela é mais bonita que eu? Será que ela acha que é mais bonita que eu?
“Eu acho que prefiro o azul. Ele ilumina bem os seus olhos”.

Jéssica sorriu para Bella com uma falsa simpatia, enquanto a olhava cheia de suspeita.
Será que ela realmente acha isso? Ou ela quer que eu pareça uma vaca no sábado?
Eu já estava cansado de escutar Jéssica. Eu procurei nos arredores por Ângela – ah, mas ela estava trocando de roupa, e eu pulei rapidamente para fora de sua mente para dar-lhe alguma privacidade.
Bem, não havia muito como Bella se envolver em encrencas numa loja de departamentos. Eu as deixaria fazer compras e então me encontraria com elas quando tivessem terminado. Não demoraria muito para escurecer – as nuvens estavam começando a retornar, carregadas pelo vento desde o oeste. Eu só podia vê-las em relances através das grossas árvores, mas podia ver como elas apressariam o pôr-do-sol. Eu lhes dei boas-vindas, ansiando por elas mais do que jamais havia ansiado pela sombra antes. Amanhã eu poderia me sentar ao lado de Bella no colégio novamente, monopolizar sua atenção no almoço novamente. Eu poderia perguntar a ela todas as questões que estava guardando...
Então ela estava furiosa com a presunção de Tyler. Eu havia visto aquilo em sua mente – que ele estava falando sério quando conversou com ela sobre o baile dos alunos, que havia um convite implícito. Eu visualizei sua expressão naquela outra tarde – sua descrença cheia de ultraje – e eu ri. Eu me perguntei o que ela diria a ele a respeito disso. Eu não iria querer perder sua reação.
O tempo estava passando lentamente enquanto eu esperava que as sombras se estendessem. Eu checava periodicamente com Jessica; sua voz mental era a mais fácil de encontrar, mas eu não gostava de passar muito tempo ali. Eu vi o lugar onde elas estavam planejando jantar. Estaria escuro na hora do jantar... talvez eu pudesse coincidentemente escolher o mesmo restaurante. Eu toquei o telefone no meu bolso, pensando em convidar Alice para jantar... ela iria adorar, mas ela também iria querer falar com Bella. Eu não tinha certeza se estava preparado para ter Bella mais envolvida com meu mundo. Um vampiro já não era problemático o suficiente?
Eu voltei a checar rotineiramente com Jéssica. Ela estava pensando sobre suas jóias, pedindo a opinião de Ângela.
”Talvez eu devesse devolver o colar. Eu já tenho um em casa que provavelmente ficaria bom, e eu gastei mais dinheiro do que deveria... “Minha mãe vai ficar louca. No que eu estava pensando?
“Eu não me importo em voltar até a loja. Mas, você acha que Bella vai estar procurando por nós?”

O que era isso? Bella não estava com elas? Eu procurei primeiro pelos olhos de Jéssica, depois troquei para os de Ângela. Elas estavam na calçada em frente a uma seqüência de lojas, neste momento mudando de direção para retornar. Bella não estava em nenhum lugar em vista.
Oh, quem se importa com Bella? pensou Jess impacientemente, antes de responder a pergunta de Angela. ”Ela está bem. Nós chegaremos ao restaurante com tempo de sobra, mesmo se voltarmos. De qualquer forma, acho que ela queria ficar sozinha”. Eu vi de relance na livraria em que Jéssica pensou que Bella estava querendo ir.
”Vamos nos apressar então”, Ângela disse. Eu espero que Bella não pense que demos um cano nela. Ela foi tão legal comigo no carro mais cedo... ela é uma pessoa muito doce. Mas ela parecida meio deprimida, o dia inteiro. Será que é por causa do Edward Cullen? Eu aposto que foi por isso que ela ficou me fazendo perguntas sobre a família dele...
Eu devia ter prestado mais atenção. O que mais eu havia perdido aqui? Bella estava vagando por aí sozinha, e ela havia feito perguntas sobre mim? Ângela estava prestando atenção a Jéssica agora – Jéssica estava tagarelando sobre aquele idiota do Mike - e dela eu não conseguiria mais obter nada.
Eu avaliei as nuvens. O sol estaria atrás das nuvens cedo o bastante. Se eu ficasse na parte oeste da estrada, onde os prédios sombreariam a calçada da luz cada vez mais fraca...
Comecei a sentir-me ansioso enquanto dirigia pelo tráfico que aumentava no centro da cidade. Isto não era algo que eu havia considerado – Bella saindo sozinha – e eu não fazia idéia de onde encontra-la. Eu devia ter pensado nisso. Bella sempre fazia a coisa errada.
Eu conhecia Port Angeles bem; dirigi diretamente até a livraria na cabeça de Jessica, esperando que minha busca fosse ser curta, mas duvidando de que seria fácil. Quando Bella havia facilitado as coisas antes?
Claro, a pequena livraria estava vazia exceto por uma mulher vestida anacronicamente atrás do balcão. Este não parecia o tipo de lugar em que Bella se interessaria – new age demais para uma pessoa prática. Será que ela havia sequer se importado em entrar?
Havia um espaço sombreado onde eu poderia estacionar... ele fazia um caminho de sombras até o toldo da livraria. Eu realmente não devia. Vagar por aí em momentos de luz do sol não era seguro. E se um carro passasse e refletisse a luz para dentro das sombras bem no momento errado?
Mas eu não sabia mais como fazer para procurar por Bella!
Eu estacionei e saí, mantendo-me na parte mais escura da sombra. Andei rapidamente para dentro da loja, notando o fraco rastro do cheiro de Bella no ar. Ela havia estado aqui, na calçada, mas não havia nem sinal de sua fragrância dentro da livraria.
“Bem vindo! Posso aj-” a vendedora começou a dizer, mas eu já estava saindo pela porta novamente.
Eu segui o rastro de Bella até onde as sombras permitiam, parando quando cheguei no limite em que começava a luz.
Quão impotente isso me fez sentir – cercado pela linha entre a sombra e a luz que se desenhava através da calçada em minha frente. Tão limitado.
Eu podia apenas imaginar, que ela havia continuado através da rua, rumando para o sul. Não havia muita coisa naquela direção. Ela estaria perdida? Bom, a possibilidade não soava completamente fora de questão.
Eu voltei para o carro e dirigi devagar pelas ruas, procurando por ela. Eu saí em alguns trechos em que havia sombra, mas só captei seu cheiro uma vez mais, e a direção a que ele ia me confundiu. Para onde ela estava tentando ir?
Eu dirigi indo e voltando entre a livraria e o restaurante algumas vezes, esperando encontrá-la no caminho. Jéssica e Ângela já estavam ali, tentando decidir se pediam ou se esperavam por Bella. Jéssica estava pressionando para que pedissem imediatamente.
Eu comecei a passar rapidamente pelas mentes de estranhos, procurando através de seus olhos. Certamente, alguém deveria tê-la visto em algum lugar.
Eu comecei a ficar mais e mais nervoso quanto mais aumentava o tempo a que ela estava desaparecida. Eu não havia levado em conta antes como ela seria difícil de encontrar quando, como agora, estivesse fora de minha vista e de seus caminhos comuns. Eu não gostava disso.
As nuvens estavam encorpando-se no horizonte, e, em mais alguns minutos, eu estaria livre para procurá-la a pé. Então eu não levaria muito tempo. Era apenas o sol que me deixava tão vulnerável agora. Apenas mais alguns minutos, e então a vantagem seria minha de novo e seria o mundo dos humanos que seria impotente.
Outra mente, e outra. Tantos pensamentos triviais.
... acho que o bebê está com outra infecção de ouvido...
Era seis-quatro-zero ou seis-zero-quatro...?
Atrasado de novo. Eu deveria dizer a ele...
Aí vem ela! Aha!

Ali, finalmente, estava o rosto dela. Finalmente, alguém a havia notado!
O alívio durou apenas uma fração de segundo, e então eu li mais completamente os pensamentos do homem que estava sob as sombras, observando ansiosamente sua face.
Sua mente era uma estranha para mim, mas mesmo assim, não totalmente estranha. Eu já havia caçado mentes exatamente como esta.
“NÃO!”, eu urrei, e uma série de rosnados eclodiram de minha garganta. Meus pés afundaram no acelerador, mas para onde eu estava indo?
Eu conhecia a localização geral de seus pensamentos, mas este conhecimento não era específico o suficiente. Alguma coisa, tinha que haver alguma coisa – uma placa de trânsito, a frente de uma loja, alguma coisa no seu campo de visão que entregaria sua localização. Mas Bella havia penetrado fundo nas sombras, e os olhos dele estavam focados apenas em sua expressão assustada – apreciando o medo que havia ali.
O rosto dela foi borrado em sua mente pela memória de outros rostos. Bella não era sua primeira vítima.
O som de meus rosnados faziam a estrutura do carro balançar, mas não me distraíram.
Não havia janelas nas paredes atrás dela. Alguma região industrial, longe da área mais populosa das lojas. Meu carro derrapou ao dobrar uma esquina, desviando de outro veículo, rumando para o que eu esperava que fosse a direção certa. No momento em que o outro carro buzinou, o som já estava muito atrás de mim.
Olha como ela treme! O homem soltou um risinho de ansiedade. O medo era o que o atraía – a parte que ele apreciava.
“Fique longe de mim”. Sua voz estava baixa e composta, não um grito.
“Não seja assim, docinho”.
Ele assistiu-a recuar de uma ruidosa risada que vinha de outra direção. Ele ficou irritado com o barulho – Cala a boca, Jeff!, ele pensou – mas gostou da maneira como ela havia se encolhido. Isso o excitou. Ele começou a imaginar suas súplicas, a maneira como ela iria implorar...
Eu não havia percebido que havia outros com ele até que eu ouvi a risada alta. Eu procurei fora dele, desesperado por algo que pudesse usar. Ele estava dando o primeiro passo na direção dela, flexionando suas mãos.
As mentes dos outros ao redor dele não eram tão imundas quanto a dele. Elas estavam levemente intoxicadas, nenhum deles percebendo o quão longe o homem chamado Lonnie planejava chegar com isso. Eles estavam seguindo a liderança de Lonnie cegamente. Ele lhes havia prometido alguma diversão...
Um deles deu uma olhada na direção da rua, nervoso – ele não queria ser pego atormentando a garota – e me deu o que eu precisava. Eu reconheci o cruzamento para que ele olhou.
Eu passei voando por um sinal vermelho, deslizando por um espaço entre dois carros no trânsito apenas grande o suficiente para eu passar. Buzinas berravam atrás de mim.
Meu telefone vibrou no meu bolso. Eu o ignorei.
Loonie se movia lentamente na direção da garota, prolongando o suspense – o momento de terror que o deixava excitado. Ele esperava que ela gritasse, preparando-se para saboreá-lo.
Mas Bella travou a mandíbula e se preparou. Ele estava surpreso – havia esperado que ela fosse tentar fugir. Surpreso e levemente desapontado. Ele gostava de perseguir sua presa, a adrenalina da caçada.
Valente, essa aí. Talvez é melhor assim, eu acho... mais lutadora.
Eu estava a uma quadra de distância. O monstro já podia ouvir o barulho do meu motor, mas ele não prestou atenção, atento demais a sua vítima.
Vamos ver se ele iria gostar da caçada quando ele fosse a presa. Vamos ver o que ele acharia do meu estilo de caçar.
Em outro compartimento da minha cabeça, eu já estava escolhendo dentre as várias torturas que já havia testemunhado em meus dias de vigilante, procurando qual seria a mais dolorosa delas. Ele iria sofrer por isso. Ele iria se contorcer de agonia. Os outros iriam meramente morrer por sua participação, mas o monstro chamado Loonie iria implorar pela morte muito antes que eu fosse lhe dar este presente.
Ele estava na rua, atravessando em sua direção.
Eu fiz uma curva fechada ao redor da esquina, as luzes de meus faróis inundando a cena e congelando o resto deles no lugar. Eu poderia ter atropelado o líder, que permaneceu no caminho, mas esta seria uma morte muito fácil para ele.
Eu deixei o carro girar, dando a volta até que estava de frente para o caminho de onde havia vindo e a porta do passageiro estava próxima de Bella. Eu a arremessei aberta, e ela já estava correndo na direção do carro.
“Entre”, eu rosnei.
Que diabos?
Eu sabia que era uma má idéia! Ela não está sozinha.
Eu devo fugir?
Acho que vou vomitar...

Bella pulou para dentro sem hesitar, puxando a porta atrás dela para fechá-la.
E então ela me olhou com a expressão mais cheia de confiança que eu já havia visto em um rosto humano, e todos os meus planos violentos desmoronaram.
Levou muito, muito menos que um segundo para que eu percebesse que não seria capaz de deixá-la sozinha no carro para lidar com os quatro homens na rua. O que eu lhe diria, para não assistir? Ha! E desde quando ela fazia o que eu pedia? Desde quando ela fazia o que era seguro?
Será que eu deveria atraí-los para longe, para fora de sua vista, e a deixaria sozinha aqui? Era um palpite ousado que outro humano perigoso estaria rondando pelas ruas de Port Angeles esta noite, mas já era um palpite ousado sequer pensar que haveria o primeiro! Como um ímã, ela atraía todas as coisas perigosas em sua direção. Eu não podia deixá-la fora da minha vista.
Para ela, pareceria como se o mesmo movimento ainda estava acontecendo, enquanto eu acelerava, a levando para longe de seus perseguidores tão rápido que eles encaravam meu carro boquiabertos com expressões confusas. Ela não perceberia meu instante de hesitação. Ela assumiria que o plano era escapar desde o início.
Eu não podia nem atropelá-lo. Isso a assustaria.
Eu desejava sua morte tão ferozmente que a necessidade por ela zunia nos meus ouvidos e enevoava minha visão e era um sabor na minha língua. Meus músculos se reviravam com a urgência, a ânsia, a necessidade de fazê-lo. Eu tinha que matá-lo. Eu o descascaria lentamente, parte por parte, a pele dos músculos, os músculos dos ossos...
Exceto que aquela garota – a única garota do mundo – estava agarrada a seu assento com as duas mãos, olhando para mim, seus olhos arregalados e totalmente confiantes. A vingança teria que esperar.
“Coloque o sinto”, eu ordenei. Minha voz estava rouca de ódio e sede de sangue. Não a sede usual. Eu não me macularia colocando qualquer parte daquele homem dentro de mim.
Ela travou o cinto, pulando levemente com o barulho. Aquele pequeno som a havia feito pular, e mesmo assim ela não se importou enquanto eu rasgava pela cidade, ignorando todos os sinais de trânsito. Eu podia sentir seus olhos em mim. Ela parecia estranhamente relaxada. Não fazia sentido para mim – não com o que ela havia acabado de passar.
“Você está bem?”, ela perguntou, sua voz rouca com estresse e medo.
Ela queria saber se eu estava bem?
Eu pensei sobre sua pergunta por uma fração de segundo. Não o bastante para que ela pudesse notar a hesitação. Eu estava bem?
“Não”, eu percebi, e minha voz fervia de raiva.
Eu a levei até a mesma estrada abandonada onde eu havia passado a tarde engajado na pior vigilância já empreendida. Estava negro agora sob as árvores.
Eu estava tão furioso que meu corpo congelou no lugar, totalmente sem reação. Minhas mãos imóveis como o gelo ardiam por destruir o homem que a havia atacado, e massacrá-lo em pedaços tão pequenos que seu corpo jamais poderia ser identificado...
Mas isso implicaria em deixá-la aqui sozinha, desprotegida na noite escura.
“Bella?”, eu perguntei entre dentes.
“Sim?”, ela respondeu roucamente, e limpou a garganta.
“Você está bem?”. Esta era na realidade a coisa mais importante, a principal prioridade. Retribuir era secundário. Eu sabia disso, mas meu corpo estava tão cheio de ódio que era difícil pensar.
“Sim”. Sua voz ainda estava áspera – com medo, sem dúvida.
E por isso eu não podia deixá-la.
Mesmo que ela não estivesse sob perigo constante por algum motivo irritante – alguma peça que o universo estivesse pregando em mim – mesmo que eu pudesse ter certeza de que ela estaria perfeitamente a salvo na minha ausência, eu não podia deixá-la sozinha no escuro.
Ela devia estar tão apavorada.
Mas eu não estava em condições de confortá-la – mesmo que eu soubesse como isso poderia ser feito, o que eu não sabia. Com certeza ela podia sentir a brutalidade que irradiava de mim, com certeza isso estava óbvio. Eu a assustaria ainda mais se não pusesse acalmar o desejo de realizar um massacre que fervia dentro de mim.
Eu precisava pensar em outra coisa.
“Me distraia, por favor”, eu pedi.
“Desculpe, o quê?”
Eu mal tinha controle o suficiente para tentar explicar do que eu precisava.
“Apenas balbucie a respeito de alguma coisa sem importância até que eu me acalme”, eu instruí, meu maxilar ainda travado. Apenas o fato de que ela precisava de mim me segurava dentro do carro. Eu podia ouvir os pensamentos do homem, seu desapontamento e sua raiva... eu sabia onde encontra-lo... fechei os olhos, desejando não poder ver mesmo assim...
“Um...”, ela hesitou – tentando compreender meu pedido, imaginei. “Eu vou atropelar Tyler Crowley amanhã antes da aula?”. Ela disse isso como se fosse uma pergunta.
Sim – era disso que eu precisava. Claro que Bella viria com alguma coisa inesperada. Como havia sido antes, a ameaça de violência vinda da sua boca soava hilária – tão cômica que parecia uma cacofonia. Se eu não estivesse queimando com a urgência de matar, teria rido.
“Por quê?”, eu ladrei, para forçá-la a falar de novo.
“Ele está falando para todo mundo que vai me levar ao baile”, ela disse, sua voz cheia de seu ultraje tigre-gatinho. “Ou ele é maluco ou ainda está tentando recompensar por quase ter me matado no último... bem, você se lembra”, ela disse secamente, “e ele pensa que o baile talvez fosse de algum modo a maneira correta de fazer isso. Então eu imagino que se ameaçar sua vida, então estaremos quites, e ele não precisará mais ficar tentando se reparar. Eu não preciso de inimigos e talvez Lauren recuaria se ele me deixasse em paz. Mas talvez eu teria que arruinar seu Sentra...” ela continuou, agora pensativa. “Se ele não tiver uma locomoção não poderá levar ninguém ao baile...”
Era encorajador ver como ela às vezes entendia errado as coisas. A persistência de Tyler não tinha nada a ver com o acidente. Ela não parecia entender como era atraente para os garotos humanos do colégio. Ela não via como era atraente para mim, também?
Ah, estava funcionando. Os processos incompreensíveis de sua mente sempre me enchiam de pensamentos. Eu estava começando a recobrar o controle, a ver algo além de vingança e tortura...
“Ouvi algo sobre isso”, eu lhe disse. Ela havia parado de falar, e eu precisava que ela continuasse.
Você ouviu?”, ela perguntou incrédula. E então sua voz estava mais irritada que antes. “Se ele estiver paralisado do pescoço para baixo, também não conseguirá ir ao baile”.
Eu queria que houvesse alguma maneira de pedir que ela continuasse com as ameaças de morte e dano físico sem soar como um maluco. Ela não poderia ter escolhido um jeito melhor de me acalmar. E suas palavras – no caso dela apenas sarcasmo, hipérbole – eram um lembrete do qual eu precisava de bom grado neste momento.
Eu suspirei, e abri meus olhos.
“Melhor?”, ela perguntou timidamente.
“Não muito”.
Não, eu estava mais calmo, mas não estava melhor. Porque eu havia acabado de perceber que não poderia matar o monstro chamado Loonie, e eu ainda queria isso mais do que quase qualquer coisa no mundo. Quase.
A única coisa que eu queria mais neste momento do que cometer um homicídio altamente justificável, era esta garota. E, mesmo que eu não pudesse tê-la, apenas o sonho de tê-la tornava impossível para mim sair numa farra de assassinatos esta noite – não importando o quão inquestionável tal ação pudesse ser.
Bella merecia mais do que um assassino.
Eu havia passado sete décadas tentando ser outra coisa que não isso – qualquer coisa que não um assassino. E ainda assim, eu sentia que se retornasse para aquela vida – a vida de um assassino – mesmo que por apenas uma noite, certamente a colocaria fora de meu alcance para sempre. Mesmo se não bebesse o sangue deles – mesmo se eu não tivesse esta evidência queimando vermelho nos meus olhos – não iria ela notar a diferença?
Eu estava tentando ser bom o suficiente para ela. Era uma meta impossível. Eu continuaria tentando.
“O que há de errado?”, ela suspirou.
Sua respiração preencheu meu nariz, e era uma lembrança de por quê eu não podia merecê-la. Depois de tudo isso, mesmo a amando tanto... ela ainda fazia minha boca se encher de água.
Eu lhe daria tanta honestidade quanto pudesse. Eu lhe devia isso.
“Às vezes tenho um problema com meu temperamento, Bella”. Eu olhei para fora, para a noite escura, desejando tanto que ela ouvisse o horror inerente às minhas palavras quanto que ela não ouvisse. Corra, Bella, corra. Fique, Bella, fique. ”Mas não seria útil eu dar a volta e caçar estes...”. Apenas pensar no assunto quase me arrancava do carro. Eu respirei profundamente, deixando seu cheiro queimar minha garganta. “Pelo menos, é disso que estou tentando me convencer”.
“Oh”.
Ela não disse mais nada. O quanto ela havia ouvido em minhas palavras? Eu a olhei furtivamente, mas sua expressão estava ilegível. Vazia com o choque, talvez. Bem, ela não estava gritando. Ainda não.
Estava tudo quieto por um instante. Eu lutei comigo mesmo, tentando ser o que eu deveria ser. O que eu não conseguiria ser.
“Jéssica e Ângela vão ficar preocupadas”, ela disse silenciosamente. Sua voz estava calma, e eu não tinha certeza de como isso seria possível. Ela estava em choque? Talvez ela ainda não tivesse assimilado os eventos desta noite. “Estava combinado que eu iria encontrá-las”.
Será que ela queria estar longe de mim? Ou ela estava apenas preocupada com a preocupação de suas amigas?
Eu não respondi, mas liguei o carro e a levei de volta. A cada centímetro que eu me aproximava da cidade, mais difícil se tornava me manter fiel a meu propósito. Eu estava simplesmente tão perto dele...
Se fosse impossível – se eu nunca pudesse ter ou merecer esta garota – então havia sentido em deixar este homem sair impune? Certamente eu poderia me permitir este tanto...
Não. Eu não iria desistir. Não ainda. Eu a queria demais para me render.
Nós estávamos no restaurante onde ela deveria encontrar suas amigas antes que eu tivesse nem mesmo começado a tentar entender meus pensamentos. Jéssica e Ângela haviam terminado de comer, e ambas estavam agora realmente preocupadas com Bella. Elas estavam saindo para procurá-la, caminhando pela rua escura.
Não era uma boa noite para elas estarem vagando –
“Como você sabia onde...?”. A pergunta não terminada de Bella me interrompeu, e eu percebi que havia cometido mais uma gafe. Eu havia estado distraído demais para me lembrar de perguntar a ela onde ela deveria encontrar suas amigas.
Mas, ao invés de terminar a pergunta e pressionar este ponto, Bella apenas balançou a cabeça e deu um meio-sorriso.
O que significava aquilo?
Bom, eu não tinha tempo de confabular sobre sua estranha aceitação do meu ainda mais estranho conhecimento. Eu abri minha porta.
“O que você está fazendo?”, ela perguntou, soando alarmada.
Não deixando você sair da minha vista. Não permitindo a mim mesmo ficar sozinho esta noite. Nesta ordem. “Estou te levando para jantar”.
Bem, isto seria interessante. Parecia como se houvesse sido numa noite completamente diferente que eu havia imaginado trazer Alice comigo e fingir ter escolhido acidentalmente o mesmo restaurante que Bella e suas amigas. E agora aqui estava eu, praticamente num encontro com a garota. Se bem que não contava, porque eu não estava lhe dando a chance de dizer não.
Ela já estava com a porta meio aberta antes que eu tivesse dado a volta no carro – em geral não era tão frustrante ter que andar numa velocidade que não causasse suspeitas – ao invés de esperar que eu a abrisse para ela. Será que isso era porque ela não estava acostumada a ser tratada como uma dama, ou porque ela não me via como um cavalheiro?
Esperei por ela para se juntar a mim, cada vez mais as suas amigas continuavam indo em direção à esquina escura.
'Vá parar Angela e Jessica antes de que eu tenha de ir atrás delas também.' Eu ordenei rapidamente. 'Não acho que conseguirei me parar se encontrar com seus outros amigos novamente.' Não, eu não seria forte o bastante para isso.
Ela teve um calafrio, e então rapidamente se recompôs. Deu um meio-passo na direção delas, chamando “Jess! Ângela!” em voz alta. Elas se viraram, e Bella acenou a mão sobre a cabeça para chamar sua atenção.
Bella! Oh, ela está bem!, pensou Ângela aliviada.
Atrasada, não? , Jessica resmungou para si mesma, mas ela, também, estava grata que Bella não estivesse perdida ou machucada. Isto me fez gostar um pouquinho mais dela do que antes.
Elas voltaram apressadas, e então pararam, chocadas, quando me viram a seu lado.
Uh-uh! Jessica pensou, estupefata. De jeito nenhum!
Edward Cullen? Será que ela saiu sozinha para se encontrar com ele? Mas por que ela faria perguntas sobre ele estar fora da cidade se ela sabia onde ele estava....
Eu captei um breve relance da expressão mortificada de Bella quando ela havia perguntado sobre o porquê de minha família se ausentar freqüentemente do colégio. Não, ela não poderia ter sabido, Ângela decidiu.
Os pensamentos de Jessica estavam agora passando de surpresa para suspeita. Bella está escondendo coisas de mim.
“Onde você estava?”, ela demandou, encarando Bella mas me espiando do canto do olho.
“Eu me perdi. E então me encontrei com Edward”, disse Bella, apontando uma mão na minha direção. Seu tom estava extraordinariamente normal. Como se isso fosse de verdade tudo o que tivesse acontecido.
Ela devia estar em choque. Era a única explicação para tanta calma.
“Tudo bem se eu me juntar a vocês?”, eu perguntei – para ser educado; eu sabia que elas já haviam comido.
Meu Deus ele é tão gostoso! , Jessica pensou, sua mente subitamente um pouco incoerente.
Ângela não estava muito mais composta. Queria que a gente não tivesse comido. Uau. Apenas. Uau.
Por que eu não conseguia fazer isso com Bella?
“Er... claro”, Jessica concordou.
Ângela franziu a testa. “Um, na verdade, Bella, nós já comemos enquanto estávamos esperando”, ela admitiu. “Desculpe”.
O quê? Cala a boca!, Jessica reclamou internamente.
Bella deu de ombros casualmente. Tão tranqüila. Definitivamente em choque. “Tudo bem – não estou com fome.”
“Eu acho que você deveria comer algum coisa”, eu discordei. Ela precisava de açúcar em seu sistema – apesar de que seu cheiro fosse doce o suficiente do jeito que estava agora, pensei, cheio de ironia. O horror chegaria em algum momento, e um estômago vazio não iria ajudar. Ela desmaiava fácil, como eu sabia por experiência própria.
Estas garotas não estariam em perigo se fossem direto para casa. O perigo não rondava cada passo delas.
E eu preferia estar sozinho com Bella – contanto que ela quisesse por vontade própria ficar sozinha comigo.
“Vocês se importam se eu levar Bella para casa esta noite?”, eu disse para Jessica antes que Bella pudesse responder. “Assim vocês não terão que esperar enquanto ela come”.
“Uh, sem problema, eu acho...”, Jessica encarou Bella intensamente, procurando por algum sinal de que era isso que ela queria.
Eu quero ficar... mas ela provavelmente quer ele só para ela. Quem não iria querer?, Jess pensou. Ao mesmo tempo, ela viu Bella piscar.
Bella piscou?
“Ok”, Ângela disse apressadamente, com pressa de sair do caminho se era isso que Bella queria. E parecia que era isso que ela queria. “Até amanhã, Bella... Edward”. Ela se esforçou para dizer meu nome com um tom casual. Então ela agarrou a mão de Jessica e começou a arrastá-la para longe.
Eu teria que encontrar uma maneira de agradecer a Ângela por isso.
O carro de Jessica estava próximo, e num círculo iluminado por um poste. Bella vigiou-as cuidadosamente, uma pequena ruga de preocupação entre seus olhos, até que elas estavam no carro; então ela devia estar completamente consciente do perigo em que havia estado. Jessica acenou enquanto saía com o carro, e Bella acenou de volta. Não foi até que o carro desaparecesse que Bella respirou fundo e olhou para mim.
“Honestamente, eu não estou com fome”, ela disse.
Por que ela havia esperado elas irem embora antes de falar isso? Será que ela realmente queria estar sozinha comigo – mesmo agora, após testemunhar minha raiva homicida?
Fosse esse o caso ou não, ela ia comer alguma coisa.
“Me divirta”, eu disse.
Eu segurei a porta do restaurante aberta e esperei.
Ela suspirou, e entrou no restaurante.Eu a segui até a plataforma onde a recepcionista esperava. Bella ainda parecia completamente sob controle. Eu queria tocar sua mão, sua testa, para checar sua temperatura. Mas ela acharia minha mão fria repulsiva, como havia achado antes.
Oh, meu..., a voz mental razoavelmente alta da recepcionista invadiu minha consciência. , Oh, oh meu....
Parecia ser minha noite de fazer os pescoços virarem. Ou será que eu só estava percebendo isso mais forte, porque desejava tanto que Bella me visse desse jeito? Nós em geral éramos atraentes para nossa presa. Eu nunca havia refletido muito sobre isso antes. Em geral – a menos que, como ocorria com Shelly Cope e Jessica Stanley, houvesse constante repetição para dessensibilizar o horror – o medo chegava logo após a atração inicial...
“Mesa para dois?”, tomei a iniciativa quando a recepcionista não falou nada.
“Oh, er, sim. Bem-vindos ao La Bella Itália”. Mmm! Que voz! “Por favor, sigam-me”. Seus pensamentos estavam preocupados – calculando.
Talvez ela seja uma prima. Não poderia ser uma irmã, eles não se parecem nem um pouco. Mas da família, sem dúvida. Ele não pode estar com ela.
A visão dos humanos era embaçada; eles não conseguiam ver nada claramente. Como podia esta mulher de mente tão pequena achar minhas iscas corporais – engodos para minha presa – tão atrativas, e ainda assim ser incapaz de ver a suave perfeição da garota ao meu lado?
Bom, também não preciso dar uma força pra ela, só por via das dúvidas, a recepcionista pensou enquanto nos levava a uma mesa tamanho-família na parte mais lotada do restaurante. Será que está tudo bem se eu passar meu número para ele enquanto ela está ali...?, ela ponderava.
Eu puxei uma nota do meu bolso traseiro. As pessoas eram invariavelmente cooperativas quando havia dinheiro envolvido.
Bella já estava sentando na cadeira que a recepcionista havia indicado, sem reclamar. Eu balancei minha cabeça para ela, que hesitou, deixando a cabeça cair para um lado com curiosidade. Sim, ela estaria muito curiosa esta noite. Uma multidão não seria o lugar ideal para esta conversa.
“Talvez algo com mais privacidade?”, eu pedi à recepcionista, entregando-lhe o dinheiro. Seus olhos arregalaram-se de surpresa, e então estreitaram-se, enquanto sua mão se curvava ao redor da nota.
“Claro”.
Ela deu uma espiada na nota enquanto nos levava ao redor de uma mesa divisória.
Cinqüenta dólares por uma mesa melhor? Rico, também. Faz sentido – aposto que sua jaqueta vale mais que meu salário inteiro. Droga. Por que ele quer mais privacidade com ela?
Ela nos ofereceu uma mesa numa alcova que ficava em um canto silencioso do restaurante, onde ninguém seria capaz de nos ver – de ver as reações de Bella a qualquer coisa que eu fosse dizer. Eu não fazia idéia do que ela iria querer de mim esta noite. Ou do que eu iria lhe dar.
O quanto já haveria ela adivinhado? Que explicações para os eventos desta noite haveria ela contado para si mesma?
“Que tal esta?”, a recepcionista perguntou.
“Perfeita”, eu lhe disse e, sentindo-me um pouco incomodado por sua atitude ressentida com relação a Bella, dei-lhe um largo sorriso, exibindo meus dentes. Vamos permitir que ela me veja claramente.
Uou. “Um... sua atendente já está a caminho”. Ele não pode ser real. Eu devo estar dormindo. Talvez ela vá desaparecer... talvez eu deva escrever meu número no seu prato com ketchup..., ela vagava, inclinando-se levemente para o lado.
Estranho. Ela ainda não estava assustada. Eu subitamente me lembrei de Emmett provocando-me no refeitório, há tantas semanas. Aposto que poderia te-la assustado bem melhor que isso.
Será que eu estava perdendo o jeito?
“Você realmente não devia fazer isso com as pessoas”, Bella interrompeu meus pensamentos num tom de desaprovação. “Não é muito justo”.
Eu encarei sua expressão reprovativa. O que ela queria dizer? Eu não havia assustado a recepcionista nem um pouco, apesar de minhas intenções. “Fazer o quê?”
“Deslumbrá-las desse jeito – ela provavelmente está hiperventilando na cozinha agora”.
Hmm. Bella estava quase certa. A recepcionista estava apenas semi-coerente no momento, descrevendo o que havia assumido erroneamente a meu respeito para sua amiga na recepção.
“Oh, por favor”, Bella reprovou quando eu não respondi imediatamente. “Você tem que saber o efeito que tem nas pessoas”.
“Eu deslumbro as pessoas?”. Esta era uma maneira interessante de colocar. Acurada o suficiente para esta noite. Eu me perguntava o porquê da diferença...
“Você não percebeu?”, ela perguntou, ainda crítica. “Você acha que todos conseguem as coisas do jeito que querem tão facilmente?”
“Eu deslumbro a você?”, eu dei voz à minha curiosidade impulsivamente, e então as palavras já haviam saído, e era tarde demais para recolher-las de volta.
Mas antes que eu tivesse tempo de me arrepender muito profundamente de ter dito as palavras em voz alta, ela respondeu: “Freqüentemente”. E suas bochechas coraram de um leve tom de rosa.
Eu a deslumbrava.
Meu coração silencioso se encheu de uma esperança mais intensa do que eu jamais podia me lembrar de ter sentido antes.
“Olá”, disse alguém, a garçonete, se apresentando. Seus pensamentos eram altos, e mais explícitos que os da recepcionista, mas eu me desliguei dela. Eu encarei o rosto de Bella ao invés de ouvir, assistindo o sangue se espalhar sob sua pele, percebendo não como isso fazia minha garganta queimar, mas como isso iluminava sua expressão, como fazia sua pele parecer creme...
A garçonete estava esperando alguma coisa de mim. Ah, ela havia acabado de perguntar se queríamos beber algo. Eu continuei olhando para Bella, e a garçonete se virou de má vontade para encará-la também.
“Eu vou querer uma Coca?”, Bella disse, como se estivesse pedindo por aprovação.
“Duas Cocas”, eu completei. Sede – a sede normal, humana – era um sinal de choque. Eu me certificaria de que ela teria o açúcar extra proveniente do refrigerante em seu sistema.
Mas ela parecia saudável. Mais do que isso. Parecia radiante.
“O quê?”, ela demandou – se perguntando por que eu a estava encarando, eu imaginei. Eu mal estava ciente de que a garçonete havia ido embora.
“Como você está se sentindo?”, eu perguntei.
Ela piscou, surpresa com a pergunta. “Estou bem.”
“Você não se sente tonta, enjoada, com frio?”
Ela estava ainda mais confusa agora. “Eu devia?”
“Bem, na verdade eu estou esperando você entrar em choque”. Eu dei um meio-sorriso, esperando sua negativa. Ela não iria querer ser cuidada.
Levaram alguns minutos até que ela me respondesse. Seus olhos estavam levemente fora de foco. Ela ficava assim às vezes, quando eu sorria para ela. Estaria ela estava... deslumbrada?
Eu amaria acreditar nisso.
“Eu não acho que isso vá acontecer. Eu sempre fui boa em reprimir as coisas desagradáveis”, ela respondeu, um pouco sem fôlego.
Então ela tinha muita prática com coisas desagradáveis? Sua vida havia sido sempre assim perigosa?
“Mesmo assim”, eu lhe disse. “Vou me sentir melhor quando você tiver algum açúcar e comida em você”.
A garçonete retornou com as Cocas e uma cesta de pães. Ela colocou-os na minha frente, e questionou qual seria meu pedido, tentando encontrar meus olhos no processo. Eu indiquei que ela deveria dirigir-se a Bella, e depois voltei a tirar sua mente de sintonia. Ela tinha uma mente vulgar.
“Um...”, Bella deu uma olhada rápida no menu. “Vou querer o ravióli de cogumelos”.
A garçonete se virou para mim ansiosamente. “E você?”
“Nada para mim”.
Bella fez uma leve careta. Hmm. Ela devia ter percebido que eu nunca comia comida. Ela percebia tudo. E eu sempre me esquecia de ser cuidadoso perto dela.
Eu esperei até que estivéssemos sozinhos de novo.
“Beba”, eu insisti.
Eu fiquei surpreso quando ela obedeceu imediatamente sem nenhuma objeção. Ela bebeu até que o copo estivesse totalmente vazio, então eu empurrei a segunda Coca em sua direção, franzindo um pouco a testa. Sede, ou choque?
Ela bebeu um pouco mais, e então teve um calafrio.
“Você está com frio?”
“Foi só a Coca”, ela disse, mas então teve outro calafrio, seus lábios tremendo suavemente como se seus dentes estivessem a ponto de ranger.
A linda blusa que ela vestia parecia fina demais para protege-la adequadamente; se agarrava a ela como uma segunda pele, tão frágil quanto a primeira. Ela era tão fraca, tão mortal. “Você não tem uma jaqueta?”
“Sim”. Ela procurou ao seu redor, um pouco perplexa. “Oh – eu a deixei no carro de Jessica”.
Eu tirei minha jaqueta, desejando que o gesto não fosse arruinado pela temperatura de meu corpo. Seria bom ter sido capaz de oferecer-lhe um casaco mais aquecido. Ela me encarou, suas bochechas esquentando novamente. No que ela estava pensando agora?
Eu entreguei-lhe a jaqueta por cima da mesa, e ela a colocou de uma vez, e então teve outro calafrio.
Sim, seria muito bom ser quente.
“Obrigada”, ela disse. Ela respirou fundo, e então puxou as mangas da jaqueta, excessivamente longas, para livrar suas mãos. E então respirou fundo mais uma vez.
Será que ela estava finalmente absorvendo tudo o que havia acontecido esta noite? Sua cor ainda estava boa; sua pele ainda era creme e rosas contra o azul escuro de sua blusa.
“Este tom de azul fica adorável na sua pele”, eu a elogiei. Apenas sendo honesto.
Ela corou, intensificando o efeito.
Ela parecia bem, mas não havia razão para correr riscos. Eu empurrei a cesta de pães em sua direção.
“Sério”, ela protestou, adivinhando meus motivos. “Não vou entrar em choque”.
“Você deveria – uma pessoa normal entraria. Você nem parece balançada”. Eu a encarei, desaprovando, imaginando porque ela não podia ser normal, e então imaginando se eu realmente iria querer que ela fosse.
“Eu me sinto muito segura com você”, ela disse, com os olhos, novamente, cheios de confiança. Confiança que eu não merecia.
Seus instintos eram completamente errados – ao avesso. Esse deveria ser o problema. Ela não reconhecia o perigo da maneira como os humanos deveriam ser capazes de fazer. Ela tinha a reação oposta. Ao invés de correr, ela permanecia, atraída pelo que deveria assustá-la...
Como eu poderia protegê-la de mim mesmo se nenhum de nós queria isso?
“Isso é mais complicado do que eu havia planejado”, eu murmurei.
Eu podia vê-la processando minhas palavras em sua mente, e eu me perguntei o que ela estaria fazendo com elas. Ela pegou um pedaço de pão e começou a comer sem perceber consciente da ação. Mastigou por um momento, e então inclinou a cabeça para o lado pensativamente.
“Em geral você está num humor melhor quando seus olhos são tão claros”, ela disse num tom casual.
Sua observação, colocada de uma forma tão segura de si, me deixou fisgado. “O quê?”
“Você sempre está mais mal-humorado quando seus olhos estão pretos – eu já espero que aconteça nestas ocasiões. Eu tenho uma teoria sobre isso”, ela adicionou suavemente.
Então ela havia criado sua própria explicação. Claro que ela havia. Eu me senti completamente atemorizado enquanto imaginava o quão perto ela havia chegado da verdade.
“Mais teorias?”
“Mm-hm”. Ela deu mais uma mordida e mastigou, totalmente indiferente. Como se não estivesse tendo uma discussão sobre os aspectos de um monstro com o próprio monstro.
“Eu espero que você tenha sido mais criativa desta vez...”, eu menti quando ela não continuou. O que eu realmente esperava era que ela estivesse errada – a quilômetros de distância do alvo. “Ou você ainda está roubando teorias de gibis?”
“Bem, não, eu não peguei de um gibi”, ela disse, um pouco envergonhada. “Mas também não a inventei sozinha”.
“E?”, eu perguntei entre dentes.
Com certeza ela não estaria falando tão calmamente se estivesse prestes a gritar.
Quando ela hesitou, mordendo o lábio, a garçonete reapareceu com a comida de Bella. Eu prestei um pouco de atenção à atendente enquanto ela colocava o prato na frente de Bella e perguntava se eu não queria nada.
Eu recusei, mas pedi mais Coca. A garçonete não havia reparado nos copos vazios. Ela retirou-os e foi embora.
“Você estava dizendo?”, eu a incitei ansiosamente assim que estávamos sozinhos de novo.
“Te conto no carro”, ela disse numa voz baixa. Ah, isso devia ser ruim. Ela não queria falar com outros por perto. “Se...”, ela cutucou subitamente.
“Há condições?”, eu estava tão tenso que quase rosnei as palavras.
“Eu tenho algumas perguntas, claro”.
“Claro”, eu concordei, minha voz dura.
Suas questões provavelmente seriam suficientes para me dizer qual era o rumo de seus pensamentos. Mas como eu iria respondê-las? Com mentiras responsáveis? Ou assustando-a com a verdade? Ou eu não diria nada, incapaz de decidir?
Ficamos sentados em silêncio enquanto a garçonete reabastecia seu copo de refrigerante.
“Bem, vá em frente”, eu disse, maxilar travado, quando ela saiu.
“Por que você está em Port Angeles?”
Esta questão era fácil demais – para ela. Não entregava nada, enquanto que minha resposta, certamente, entregaria demais. Deixaria que ela revelasse algo antes.
“Próxima”, eu disse.
“Mas esta era a mais fácil!”
“Próxima”, repeti.
Ela ficou frustrada com a minha recusa. Desviou o olhar de mim, baixando os olhos para sua comida. Lentamente, pensando profundamente, ela deu uma mordida e mastigou com vontade. Depois lavou a comida com mais Coca, e finalmente me olhou. Seus olhos estreitaram-se com suspeitas.
“Está bem então”, ela disse. “Digamos, hipoteticamente, claro, que... alguém... pudesse saber o que as pessoas estão pensando, ler mentes, sabe – com apenas algumas exceções”.
Poderia ser pior.
Isso explicava o meio-sorriso no carro. Ela era rápida – ninguém havia percebido isso sobre mim antes. Exceto Carlisle, e no caso dele havia ficado óbvio, no começo, quando eu respondia a todos os seus pensamentos como se ele tivesse falado comigo. Ele me entendeu antes de eu mesmo...
Esta pergunta não era tão ruim. Dado que estava claro que ela sabia que havia algo de errado comigo, não foi tão sério quanto poderia ter sido. Ler mentes não era, afinal de contas, uma das facetas do arsenal dos vampiros. Eu dei suporte a sua hipótese.
“Apenas uma exceção”, eu corrigi. “Hipoteticamente”.
Ela lutou contra um sorriso – minha honestidade vaga a havia agradado. “Está bem, com uma exceção então. Como funciona? Quais são as limitações? Como essa pessoa... poderia... encontrar alguém bem na hora certa? Como ela saberia que a pessoa estava em perigo?”
“Hipoteticamente?”
“Claro”. Seus lábios vibraram, e seus olhos marrom-líquidos estavam famintos.
“Bom”, eu hesitei. “Se... aquela pessoa...”
“Vamos chamá-lo de ‘Joe’”, ela sugeriu.
Eu tive que sorrir com seu entusiasmo. Ela realmente achava que a verdade seria uma coisa boa? Se meus segredos fossem tão agradáveis, porque eu os esconderia dela?
“Joe, então”, concordei. “Se Joe estivesse prestando atenção, o timing não precisaria ser tão preciso”. Eu balancei a cabeça e reprimi um espasmo com o pensamento do quão perto eu havia estado, hoje, de chegar tarde demais. “Só mesmo você poderia arranjar problemas numa cidade tão pequena. Você teria devastado a taxa de criminalidade da cidade por uma década, sabia?”.
Seus lábios se curvaram para baixo nos cantos, demonstrando descontentamento. “Nós estamos falando de um caso hipotético”.
Eu ri de sua irritação.
Sua pele, seus lábios... eles pareciam tão macios. Eu queria tocá-los. Eu queria pressionar a ponta do meu dedo na ruga que havia se formado quando ela franziu a testa e desfazê-la. Impossível. Minha pele seria repelente ao calor dela.
“Sim, estávamos”, eu disse, retomando a conversa antes que eu pudesse ficar deprimido. “Podemos te chamar de ‘Jane’?”
Ela inclinou-se na minha direção através da mesa, todo o humor e a irritação não mais em seus olhos arregalados.
“Como você sabia?”, ela perguntou, sua voz baixa e intensa.
Eu deveria contar-lhe a verdade? E, caso sim, o quanto?
Eu queria dizer-lhe. Eu queria merecer a confiança que ainda podia ver em seu rosto.
“Você pode confiar em mim, sabe”, ela suspirou, e esticou o braço para frente como se quisesse tocar minhas mãos que repousavam sobre a mesa vazia na minha frente.
Eu as puxei de volta – odiando imaginar sua reação à minha pele frígida e dura como a pedra – e ela deixou sua mão cair.
Eu sabia que podia confiar nela para proteger meus segredos; ela era inteiramente digna de confiança, boa até a alma. Mas eu não podia confiar que ela não fosse ficar horrorizada com eles. Ela devia ficar horrorizada. A verdade era horrível.
“Eu não sei se tenho mais escolha”, murmurei. Lembrei-me de que uma vez a havia provocado chamando-a de “extremamente não-observadora”. Ofendido-a, se eu havia julgado suas expressões corretamente. Bem, esta injustiça, pelo menos, eu poderia compensar. “Eu estava errado – você é muito mais observadora do que eu achava que fosse”. E, apesar de que ela pudesse não perceber, eu já havia lhe dado um enorme crédito. Ela não perdia nada.
“Pensei de que você estivesse sempre certo”, ela disse, sorrindo por me provocar.
“Eu costumava estar”. Eu costumava saber o que eu estava fazendo. Eu costumava estar sempre certo de meu rumo. E agora era tudo caos e tumulto.
Ainda assim eu não trocaria nada. Eu não queria a vida que fazia sentido. Não se o caos significasse que eu poderia estar com Bella.
“Eu estava errado sobre você em outro aspecto também”, continuei, chamando a atenção para outro ponto. “Você não é um ímã para acidentes – esta não é uma classificação ampla o suficiente. Você é um ímã para problemas. Se existir algo perigoso num raio de dez metros, esta coisa vai invariavelmente te encontrar”. Por que ela? O que ela tinha feito para merecer tudo isso?
O rosto de Bella ficou sério novamente. “E você se classifica nesta categoria?”
A honestidade era mais importante para responder esta pergunta do que qualquer outra. “Sem dúvida”.
Seus olhos se estreitaram levemente – não suspeitosos agora, mas estranhamente preocupados. Ela estendeu o braço por cima da mesa de novo, lenta e deliberadamente. Eu puxei minhas mãos um centímetro para longe da dela, mas ela ignorou, determinada a me tocar. Eu segurei a respiração – não por causa de seu cheiro agora, mas devido à súbita, dominadora tensão. Medo. Minha pele lhe daria nojo. Ela iria fugir.
Ela acariciou levemente com as pontas de seus dedos a parte de trás da minha mão. O calor de seu toque gentil e voluntário não era como nada que eu já houvesse sentido. Era quase que puro prazer. Teria sido, se não fosse pelo meu medo. Eu observei sua face enquanto ela sentia a pedra fria que era minha pele, ainda incapaz de respirar.
Um meio-sorriso se esboçou no canto de seus lábios.
“Obrigada”, ela disse, encontrando meu olhar com uma expressão intensa em seus olhos. “Foram duas vezes agora”.
Seus dedos macios permaneceram na minha mão como se achassem prazeroso estar ali.
Eu respondi tão casualmente quanto era capaz. “Vamos nos esforçar para que não sejam três, combinado?”
Ela fez uma careta, mas acenou com a cabeça.
Eu puxei minha mão de debaixo da dela. Por mais sublime que fosse seu toque, eu não ia esperar que a magia de sua tolerância passasse, e que ela se transformasse em repulsa. Escondi minhas mãos sob a mesa.
Eu li seus olhos; apesar de que sua mente fosse silenciosa, eu podia perceber que neles havia tanto confiança quanto questionamento. Eu percebi neste momento que eu queria responder as suas perguntas. Não porque eu devesse isso a ela. Não porque eu quisesse que ela confiasse em mim.
Eu queria que ela me conhecesse.
“Eu te segui até Port Angeles”, eu disse, as palavras saindo rápido demais para que eu pudesse editá-las. Eu sabia do perigo que era dizer a verdade, o risco que estava correndo. A qualquer momento, sua calma fora do comum se despedaçaria transformando-se em histeria. Mas, pelo contrário, saber disso só me fez falar mais rápido. “Eu nunca havia tentado manter uma pessoa específica viva antes e é muito mais complicado do que eu poderia ter imaginado. Mas isso é provavelmente apenas porque é você. Pessoas comuns parecem ser capazes de atravessar o dia sem tantas catástrofes”.
Eu a vigiei, esperando.
Ela sorriu. Seus lábios se curvaram nos cantos, e seus olhos de chocolate ficaram mais quentes.
Eu havia acabado de admitir que eu a perseguia escondido, e ela estava sorrindo.
“Você já pensou que pode ser que minha hora tivesse chegado naquela primeira vez, com a van, e que você está interferindo com meu destino?”, ela perguntou.
“Aquela não foi a primeira vez”, eu disse, olhando para baixo e encarando a toalha de mesa marrom-escura, meus ombros curvados de vergonha. Meus muros haviam ruído, a verdade continuava sendo derramada descuidadamente. “Sua hora havia chegado na primeira vez em que te vi”.
Era verdade, e me irritava. Eu havia sido posicionado sobre sua vida como a lâmina de uma guilhotina. Era como se ela tivesse sido marcada para morrer por algum destino cruel, injusto, e – já que eu havia me mostrado uma arma relutante – aquele mesmo destino continuava tentando executá-la. Eu imaginei este destino personificado – uma bruxa repugnante, invejosa, uma harpia vingativa.
Eu desejava que algo, alguém, fosse o responsável por isso – pois assim eu teria algo concreto contra o que lutar. Alguma coisa, qualquer coisa que eu pudesse destruir, para que ela pudesse ficar a salvo.
Bella estava muito quieta; sua respiração havia acelerado.
Eu levantei a cabeça para olhá-la, sabendo que finalmente veria o medo pelo qual estava esperando. Eu não havia acabado de admitir o quanto havia estado próximo de matá-la? Mais próximo que a van que havia chegado a centímetros de esmagá-la. E, apesar disso, sua expressão ainda estava muito calma, seus olhos ainda estreitos apenas com preocupação.
“Você se lembra?”. Ela tinha que lembrar daquilo.
“Sim”, ela disse, sua voz nivelada e grave. Seus olhos profundos estavam totalmente conscientes.
Ela sabia. Ela sabia que eu quisera matá-la.
Onde estavam os gritos?
“E ainda assim aqui está você”, eu disse, apontando a contradição inerente aos fatos.
“Sim, aqui estou eu... por causa de você”. Sua expressão se alterou, tornando-se curiosa, enquanto ela mudava de assunto sem tentar disfarçar. “Porque de alguma forma você sabia onde me encontrar hoje...?”
Sem muitas esperanças, eu tentei uma vez mais empurrar a barreira que protegia seus pensamentos, desesperado para entender. Não fazia sentido para mim. Como ela podia sequer importar-se com o resto com aquela verdade reluzindo sobre a mesa?
Ela aguardou, apenas curiosa. Sua pele estava pálida, o que era o natural dela, mas ainda assim me preocupou. Seu jantar estava quase totalmente intocado em sua frente. Se eu continuasse a falar demais, ela iria precisar de um amortecimento para quando o choque chegasse.
Eu nomeei minhas condições. “Você come, eu falo”.
Ela processou aquilo por meio segundo, e então encheu a boca com uma velocidade que passasse a impressão de que estava calma. Ela estava mais ansiosa por minha resposta do que seus olhos deixavam transparecer.
“É mais difícil do que deveria ser – te manter sob vigília”, eu lhe disse. “Em geral eu consigo encontrar alguém muito facilmente, uma vez que tenha ouvido sua mente antes”.
Eu prestei atenção à sua expressão cuidadosamente enquanto dizia isso. Adivinhar corretamente era uma coisa, mas ouvir a confirmação era outra completamente diferente.
Ela estava estática, seus olhos arregalados. Eu senti meus dentes se contraírem uns aos outros enquanto esperava por seu pânico.
Mas ela apenas piscou uma vez, engoliu alto, e então encheu a boca novamente. Ela queria que eu continuasse.
“Eu estava mantendo um olho em Jessica”, continuei, observando conforme cada palavra era absorvida. “Não com muito cuidado – como eu disse, só mesmo você poderia encontrar problemas em Port Angeles –”. Eu não consegui resistir a adicionar essa parte. Será que ela percebia que as vidas dos outros humanos não eram tão atormentadas com experiências de quase morte, ou ela pensava que era normal? Ela era a coisa mais distante de normal que eu já havia encontrado. “E a princípio eu não havia percebido que você havia saído sozinha. Então, quando eu concluí que você não estava mais com elas, saí procurando-a na livraria que vi na mente dela. Eu sabia que você não havia entrado, e que havia ido para o sul... e eu sabia que logo você teria que virar. Então eu estava apenas te esperando, procurando aleatoriamente nos pensamentos das pessoas na rua – para checar se alguém havia te percebido, e então eu saberia onde você estava. Eu não tinha razões para me preocupar... mas estava estranhamente nervoso...”. Minha respiração veio rápida enquanto eu relembrava a sensação de pânico. Seu cheiro incendiou minha garganta e eu estava feliz por isso. Era uma dor que significava que ela estava viva. Enquanto eu queimasse, ela estava segura.
“Eu comecei a dirigir em círculos, ainda... ouvindo”. Eu esperava que a palavra fizesse sentido para ela. Isso tinha que ser confuso. “O sol estava finalmente se pondo, e eu estava prestes a sair, e segui-la a pé. E então –”
Conforme a memória me dominou – perfeitamente clara e tão vívida quanto se eu estivesse vivendo aquele momento novamente – eu senti a mesma fúria assassina encharcar meu corpo, transformando-o em gelo.
Eu queria que ele morresse. Eu precisava que ele morresse. Minha mandíbula se contraiu enquanto eu me concentrava em me manter aqui nesta mesa. Bella ainda precisava de mim. E era isso que importava.
“E depois?”, ela suspirou, seus olhos escuros arregalados.
“Eu ouvi o que eles estavam pensando”, eu disse entre dentes, incapaz de evitar que as palavras saíssem num rosnado. “Eu vi seu rosto na mente dele”.
Eu mal podia resistir à urgência de matá-lo. Eu ainda sabia precisamente onde encontrá-lo. Seus pensamentos negros sugavam no céu da noite, me atraindo em sua direção...
Eu cobri meu rosto, sabendo que minha expressão era a de um monstro, um caçador, um matador. Eu fixei a imagem dela por trás de meus olhos fechados para me controlar, focalizando apenas naquela face. O delicado desenho de seus ossos, a fina cobertura de sua pele frágil – como seda sobre o vidro, incrivelmente macia e fácil de quebrar. Ela era vulnerável demais para este mundo. Ela precisava de um protetor. E, por alguma reviravolta do destino, eu era a coisa mais próxima a isso que estava disponível.
Tentei explicar minha reação violenta para que ela entendesse.
“Foi muito.... difícil – você não consegue imaginar o quão difícil – para mim, simplesmente te levar embora, e deixá-los... vivos”, eu sussurrei. “Eu poderia tê-la deixado partir com Jessica e Ângela, mas eu estava com medo de que, se você me deixasse sozinho, eu sairia para procurá-los”.
Pela segunda vez nesta noite, eu estava confessando haver tido a intenção de assassinar alguém. Pelo menos este era justificável.
Ela estava quieta enquanto eu lutava para me controlar. Eu ouvi seus batimentos. O ritmo era irregular, mas desacelerou conforme o tempo passava até que estava estável de novo. Sua respiração, também, estava baixa e regularizada.
Eu estava perto demais do limite. Eu precisava levá-la para casa antes que...
Eu o mataria, então? Eu me tornaria um assassino novamente, agora que ela havia confiado em mim? Havia qualquer maneira de impedir a mim mesmo?
Ela havia prometido que me contaria sua mais recente teoria quando estivéssemos sozinhos. Será que eu queria ouvi-la? Eu estava ansioso por isso, mas seria a retribuição pela minha curiosidade pior do que não saber?
De qualquer forma, ela devia ter tido verdade o bastante para uma noite.
Eu a olhei novamente, e seu rosto estava mais pálido do que antes, mas composto.
“Você está pronta para ir para casa?”, eu perguntei.
“Estou pronta para partir”, ela disse, escolhendo suas palavras cuidadosamente, como se um simples ‘sim’ não expressasse exatamente o que ela queria dizer.
Frustrante.
A garçonete retornou. Ela havia ouvido a última frase de Bella enquanto vacilava no outro lado da divisória, imaginando o que mais poderia me oferecer. Eu queria rolar os olhos para alguns dos oferecimentos que ela tinha em mente.
“Como estamos indo?”, ela me perguntou.
“Estamos prontos para pedir a conta, obrigado”, eu lhe disse, meus olhos em Bella.
A respiração da garçonete era perfurante, e ela estava momentaneamente – para usar a expressão que Bella havia usado – deslumbrada pela minha voz.
Num súbito momento de percepção, ouvindo a maneira como minha voz soava nesta cabeça humana tão sem importância, eu percebi por que parecia estar atraindo muita admiração nesta noite – desacompanhada do medo usual.
Era por causa de Bella. Conforme eu me esforçava tanto para não lhe oferecer perigo, para ser menos assustador, para ser humano, eu havia verdadeiramente perdido o jeito. Os outros humanos só viam beleza agora, com meu horror inato tão cuidadosamente sob controle.
Eu olhei para a garçonete, esperando-a se recompor. Era meio que engraçado, agora que eu compreendia o motivo.
“Claro”, ela gaguejou. “Aqui está”.
Ela esticou a mão onde estava a pasta com a conta, pensando no cartão que havia enfiado ali dentro. Um cartão com seu nome e telefone.
Sim, era bem engraçado.
Eu já estava com o dinheiro preparado novamente. Devolvi a pasta de uma vez, para que ela não perdesse seu tempo esperando por um telefonema que nunca viria.
“Sem troco”, eu lhe disse, esperando que o tamanho da gorjeta acalmasse seu desapontamento.
Eu me levantei, e Bella rapidamente fez o mesmo. Eu queria oferecer-lhe minha mão, mas eu pensei que talvez fosse pressionar a sorte um pouco demais por apenas uma noite. Eu agradeci à garçonete, meus olhos nunca saindo do rosto de Bella. Bella também parecia achar alguma coisa divertida.
Nós saímos; eu caminhava o mais próximo ao lado dela que eu ousava. Próximo o suficiente para que o calor emanando de seu corpo fosse como um toque físico contra o lado esquerdo de meu corpo. Enquanto eu segurava a porta aberta para ela, ela suspirou quietamente, e eu me perguntei que arrependimento a estava deixando triste. Eu olhei no fundo de seus olhos, prestes a perguntar, quando ela subitamente olhou para o chão, parecendo envergonhada. Aquilo me deixou curioso, mas também relutante de fazer perguntas. O silêncio entre nós continuou enquanto eu abria a porta e entrava no carro.
Eu liguei o aquecedor – o calor havia abruptamente acabado; o carro frio devia ser desconfortável para ela. Ela se aninhou na minha jaqueta, com um pequeno sorriso nos lábios.
Eu esperei, adiando a conversa até que as luzes das calçadas desaparecessem; deste jeito eu me sentiria mais a sós com ela.
Será que esta era a coisa certa? Agora que eu havia me focado apenas nela, o carro parecia muito pequeno. Seu cheiro circulava por ele com a corrente do aquecedor, se intensificando e fortalecendo. Ele cresceu em sua própria força, como se fosse outra entidade no carro. Uma presença que demandava reconhecimento.
E ela o tinha; eu queimava. Mas a sensação de queimar era aceitável. Parecia estranhamente apropriada a mim. Eu havia entregue muito nesta noite – mais do que havia esperado. E aqui estava ela, ainda voluntariamente ao meu lado. Eu devia algo em retorno a isso. Um sacrifício. Uma oferenda numa fogueira.
Se eu pudesse ao menos mantê-la assim; apenas queimando, e nada mais. Mas o veneno enchia minha boca, e meus músculos tencionavam em antecipação, como se eu estivesse numa caçada...
Eu tinha que manter tais pensamentos fora da minha cabeça. E eu sabia o que me distrairia.
“Agora”, eu lhe disse, o medo de sua resposta ultrapassando a dor de queimar. “É sua vez”

Continua...

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